domingo, 26 de dezembro de 2010

Ciência na escola…

ResearchBlogging.org

Ando bem empenhada (e ano que vem estarei mais ainda) com tudo o que envolve ciência e escola, o ensino de ciências, educação científica, enfim… a compreensão do que é e como se faz ciência por aí!

Hoje vi uma reportagem muitíssimo interessante, sobre crianças, na Inglaterra, que fizeram um experimento com abelhas e publicaram na Biology Letters. Fui atrás do artigo completo, intitulado Blackawton bees, que pode ser lido aqui.

As crianças montaram o experimento com as abelhas, treinando-as para – nas palavras delas – resolver problemas “como nós” (humanos). A principal descoberta das crianças foi:

“Nós descobrimos que abelhas podem usar uma combinação de cores e relações espaciais para decidir em quais cores de flores buscar alimento. Nós também descobrimos que ciência é legal e divertida pois nós podemos fazer coisas que ninguém fez antes”. (tradução livre e tosca minha…)

O artigo é escrito em uma linguagem extremamente simples e direta. Muitas vezes, como deve ser, divertida! O que não tira a grandiosidade do trabalho, pelo contrário. Nos lembra que o conhecimento é uma construção humana, realizada pela curiosidade, pela observação, pelo exercício do pensar… “Será que…?”, “Por quê?”, “Como?” são perguntas comuns a cientistas e crianças. Pena que as vezes, na ciência, nos esquecemos da leveza e da alegria… preocupados com o tempo, os prazos, a competitividade – o que leva, inclusive, às publicações. Esta publicação é fruto de um trabalho criterioso, sério, rigoroso, mas com uma leveza de ser… Sem precisar publicar, sem a pressão insana de órgãos de fomento e de pontuações de currículo, elas foram lá e fizeram (com lápis de cor e tabelas coloridas).

Pode ser até um pouco ingênuo… Mas estas crianças nos trazem de volta a leveza de ser. Nos lembram que ensinar ciência não é o que tem sido feito… Minhas brigas constantes com professores desta área! Aliás, o que pouco se tem feito na escola é ensinar ciência. Ensina-se resultado científico! Ora, que desperdício de ideias, curiosidades, de mentes sãs e que pensam por si! Desperdiçamos, sim, estas crianças ao calá-las com inúmeros nomes, listas e decorebas inúteis, que nada fazem mais, do que deixar insosso (quando não deixa de lado mesmo) algo que é, no mínimo, o que é mais precioso para nossa espécie: o conhecimento (com responsabilidade e ética, sempre) e a possibilidade de produzi-lo.

E o conteúdo?!?! Bradam sempre aqueles que não se sentem encabulados por serem chamados de “conteudistas”… Sério que ensinar ciência deste modo não tem conteúdo? E agora? Eles não saberão todos os filos, todas as características, todas as coisinhas mais enfadonhas que ficamos repetindo desde o século XVIII para estas crianças (me incluo nisso, claro)! Como faremos agora que elas não sabem disso? Ah, sim… Elas não precisam disto, pois os livros estão recheados destas coisas. Elas sabem mais: como usar e pensar a partir disto. Ou melhor, ao ver o mundo, pensam (e agem) sobre ele! Que perigo não nos trará isso!!! É conteudistas, é melhor voltar para as classes, ordens, famílias, para não desequilibrar o mundo…

Quando vemos isso, também penso em tudo o que se diz, que é preciso de certo tempo – idade e maturidade – para aprender determinadas coisas. A compreensão de como se faz ciência precisa de tempo. De certo para entrar em moldes e padrões estabelecidos e modificar pouca coisa…

Pode ser que eu esteja dando mais valor ao artigo do que ele realmente mereça (duvido, no entanto). Mas realmente fico insuportavelmente feliz quando percebo que ainda pode ser divertido ensinar aquilo que eu escolhi como profissão: as Ciências Biológicas.

Certamente este artigo será leitura obrigatória no próximo semestre, só para começar. Não que isso vá mudar o mundo, claro… Nem a educação em ciências no Brasil. Não acredito muito nestas coisas… Se um professor (ou futuro professor) lembrar do quanto a biologia é maravilhosa, entenderá que ser professor desta área é (ou deveria ser) o máximo.

Outra coisa que chama a atenção no artigo é como podemos ter explicações claras, científicas, produzindo saber, sem soberba e com muito entusiasmo! E, olhe só, escrito em primeira pessoa (nós concluímos, nós aprendemos…). A simplicidade tem lugar no mundo dos adultos, e com ela aprendemos (de novo) o prazer de conhecer e explicar o que conhecemos!

Deixo, abaixo, a conclusão do artigo (original em inglês, pois adorei do jeito que está e pronto! rsrs).

“We conclude that bees can solve puzzles by learning complex rules, but sometimes they make mistakes. They can also work together (indirectly) to solve a puzzle. Which means that bees have personality and have their personal ‘likings’. We also learned that the bees could use the ‘shape’ of the different patterns of individual flowers to decide which flowers to go to. So they are quite clever, because they can memorize a pattern. This might help them get more pollen from flowers by learning which flowers might be best for them without wasting energy. In real life this might mean that they collect information and remember that information when going into different fields. So if some plants die out, they can learn to find nectar in another type of flower.

Before doing these experiments we did not really think a lot about bees and how they are as smart as us. We also did not think about the fact that without bees we would not survive, because bees keep the flowers going. So it is important to understand bees. We discovered how fun it was to train bees. This is also cool because you do not get to train bees everyday. We like bees. Science is cool and fun because you get to do stuff that no one has ever done before. (Bees—seem to—think!)”

Bom, nada mais me resta falar, fora o entusiasmo (que já deve ter sido notado por quem chegou até aqui) de ver este artigo… Ler “we like bees” em um artigo científico é simplesmente fantástico. Sim! Qual o motivo mais teríamos para pesquisar se não gostar daquilo que observamos? Qual o problema de gostarmos de nosso objeto de estudo? Enfim, fora estes devaneios, sinto-me lisonjeada por ter lido algo assim, que me mostra que realmente existe jeito para o mundo (e para a educação em ciências… rsrs).

Para terminar, só para variar um pouco, usarei um escrito de Mário Quintana (pois tudo isso que sempre falamos ele já sabia, e escrevia em forma de poema…)

APROXIMAÇÕES

Todo poema é uma aproximação. A sua incompletude é
que o aproxima da inquietação do leitor. Este não quer que lhe
provem coisa alguma. Está farto de soluções. Eu, por mim, lhe
aumentaria as interrogações. Vocês já repararam no olhar de
uma criança quando interroga? A vida, a irrequieta inteligência
que ele tem? Pois bem, você lhe dá uma resposta instantânea,
definitiva, única — e verá pelos olhos dela que baixou vários
risquinhos na sua consideração.
(Mário Quintana, a vaca e o hipogrifo, p. 48)

Referência

Blackawton, P., Airzee, S., Allen, A., Baker, S., Berrow, A., Blair, C., Churchill, M., Coles, J., Cumming, R., Fraquelli, L., Hackford, C., Hinton Mellor, A., Hutchcroft, M., Ireland, B., Jewsbury, D., Littlejohns, A., Littlejohns, G., Lotto, M., McKeown, J., O'Toole, A., Richards, H., Robbins-Davey, L., Roblyn, S., Rodwell-Lynn, H., Schenck, D., Springer, J., Wishy, A., Rodwell-Lynn, T., Strudwick, D., & Lotto, R. (2010). Blackawton bees Biology Letters DOI: 10.1098/rsbl.2010.1056