sábado, 26 de setembro de 2009

Sobre a tão falada inclusão…

Mesmo correndo o risco de ser criticada e de que alguém não goste do que aqui esteja escrito, resolvi (e quem me conhece sabe que seria impossível outra decisão) falar brevemente sobre a questão da inclusão, sem qualquer compromisso de grandes verdades e grandes-qualquer-coisa-que-se-espere-de-quem-decide-falar-sobre-isso.

Nesta semana estava vendo o jornal local, aqui do Mato Grosso, librasque falava de um curso de LIBRAS para qualquer interessado, embora seja claramente destinado a professores da Escola Básica, pelo que indicou a reportagem.  O curso de Libras é uma promoção da Secretaria Municipal de Educação de Várzea Grande (SEMEC) e da Secretaria Estadual de Educação do Mato Grosso (SEDUC).

O que me chamou atenção na reportagem, na verdade, foram as entrevistas com crianças surdas e não-surdas que estudavam juntas, em uma escola que contava com intérpretes. As crianças diziam estar contentes pela oportunidade de conviver com esta diferença e aprender com ela. Ao mesmo tempo, as crianças não-surdas também contavam como aprendiam com seus colegas surdos, em especial a falar a linguagem de sinais, o que possibilitava a comunicação em sala, entre todos os alunos. A turma que participou da reportagem devia estar na faixa dos 10 anos de idade.

Sempre que na universidade o tema da inclusão vem a tona, grande parte dos comentários é de muita insegurança em relação à diferença. Eu particularmente nunca tive alunos surdos, ou com qualquer outra ‘necessidade especial’. Já fui colega de duas pessoas surdas, durante o Mestrado e agora no Doutorado e, também, já orientei uma estagiária que teve quatro alunos surdos.

A minha maior dificuldade com meus colegas da pós-graduação é que sou demasiadamente curiosa e distraída… É claro que ficava tentando entender a comunicação entre o intérprete e meus colegas, mais do que prestando atenção na aula!

Em relação a minha aluna, o problema maior foi de comunicação com seus alunos. A intérprete nem sempre entendia do que a estagiária estava falando – não conhecia, nem compreendia, por exemplo, os termos específicos da Biologia – isso acabou dificultando o trabalho de minha estagiária, pois, além de tudo, ela demorou para perceber que estes alunos estavam recebendo informações diferentes do que aquelas trabalhadas por ela.

Em ambos os casos, outra questão se estabeleceu, a comunicação, via de regra, é com um intérprete. Ao falarem em sala de aula – para perguntar algo, ou exporem suas ideias – direcionavam o corpo, os olhares ao/à seu/sua intérprete, que nos traduz o que está sendo dito pelos sinais. A estranheza está em não termos um contato visual com quem está falando, supostamente, conosco.

A estagiária que orientei teve grande dificuldade para lidar com essa forma de comunicar-se, eu, tampouco, consegui auxiliá-la nesse aspecto, pois a situação também era nova para mim.

Sempre que os estudantes da licenciatura falam sobre o tema, surpreende-me a dificuldade em aceitar que nós tenhamos alunos com tais diferenças em sala de aula. Não raras vezes escutei: “não seria melhor que eles estudassem em escolas especiais e aprendessem a viver com a sociedade?”; “mas se dermos aula assim, não faremos nossos alunos de cobaia, já que nunca aprendemos a lidar com essas diferentes formas de aprender?”

Quanto a primeira pergunta, julgo que a própria reportagem a responde: como vamos ensinar um grupo (nomeado como “eles”, sempre marcando a diferença a “nós”, os “normais”, a “regra”, aqueles que podem avaliar sobre qual a melhor saída, juntarmo-nos a “eles” ou deixar cada um no seu canto, aprendendo a viver juntos em sociedades que tem escolas separadas…) a viver na sociedade, se não estamos habituados a vê-los na mesma, vivendo e atuando ‘como qualquer um’? As crianças da reportagem falam tudo em poucas palavras: aprendem a conviver e a se comunicar com pessoas que falam e se comunicam de outra forma, e tomam aquilo como cotidiano e tranquilo em suas vidas. Será que a nossa (me incluindo nisso) dificuldade em lidar com essa diferença não vem exatamente da falta de convivência com ela? Ora, me parece claro que esta separação em ‘escolas especiais’ apartava populações ditas, nomeadas, ‘normais’, dos ‘outros’ – os surdos, cegos, cadeirantes, e qualquer outra característica classificada como deficiência. Termo esse (deficiência) também que remete a algo faltante em relação a um padrão, quando não nomeado como deficiente, chamado de portador de necessidades especiais (e tem alguém que não tem nenhuma necessidade particular? Seremos todos – os normais – dotados de brilhantes características que não precisam de atenção particular nenhuma? Enfim, questões que sempre me ocorrem ao falarmos de algo especial).

Por outro lado, a pergunta de meus alunos (sobre tratarmos os alunos – os deficientes, ou portadores de necessidades especiais, ou qualquer outro nome dado a eles – como cobaias) remete a ideia de que somos, de fato, formados para tratar com a população ‘normal’, e que após um curso de graduação estaremos prontos para lidar com qualquer tipo de criança ‘normal’, mas não com as outras. Sim! A graduação deve nos formar para lidar com a Educação Básica, com o cotidiano da escola, com situações rotineiras. Talvez a pergunta devesse ser: não deveria ser comum, rotineiro, cotidiano, a convivência com a diferença? Ou também: sendo este um período transitório, em que estamos iniciando um processo de inclusão, percebendo como se dá esse processo, entendendo como as relações entre as crianças e estas com os professores se estabelecem, não é de se esperar um momento de incerteza, de inseguranças?

Ainda nesta linha de perguntas, existe alguma certeza em relação a Educação e ao ‘modo certo de agir’? Quando vejo as críticas sobre as dificuldades e ‘as coisas que não dão certo’ na prática, e na teoria são lindas, sempre vislumbro as críticas vindo de pessoas que possuem soluções mágicas para um cenário irreal, com pessoas delineadas no papel com perfeição, mas que não existem no cotidiano de uma instituição de ensino.

Em suma, post longo, sem muitas conclusões (e quem precisa delas?), para variar. De qualquer modo, voltando à reportagem citada inicialmente, e aos cursos oferecidos pelas Secretarias de Educação, parecem ser um modo de minimizar as diferenças em sala de aula, bem como um jeito de nós – professores – consigamos nos comunicar melhor com nossos alunos, sem a necessidade de intérpretes. Simultaneamente a isso, na minha visão, mostra nosso interesse e respeito à diferença, e a possibilidade de aceitá-la e de conviver com ela!