segunda-feira, 7 de junho de 2010

Netnografia e blogs: estratégias de pesquisa e outras coisinhas mais… (parte 1)

ResearchBlogging.orgMontardo, Sandra, & Passerino, Liliana (2006). Estudo dos blogs a partir da netnografia: possibilidades e limitações Novas tecnologias na Educação, 4 (2), 1-9

No artigo O estudo dos blogs a partir da netnografia: possibilidades e limitações, as autoras Sandra Montardo e Liliana Passerino discutem uma nova possibilidade de pesquisa a partir de conceitos da etnografia: a netnografia.

A etnografia é uma metodologia de pesquisa do campo da Antropologia, com uma história que inicia-se no século XIX, e busca conhecer um grupo cultural, seu sistema simbólico, de crenças e valores, através da imersão do pesquisador no grupo estudado. A etnografia usa como ferramentas de pesquisa, especialmente, a observação, entrevistas e conversas formais ou informais, a produção de um diário de campo com as anotações (descrições e transcrições) e fotografias e outros materiais provenientes desta estada na cultura pesquisada*.

O artigo em questão, discute algumas possibilidades de pesquisa no ‘mundo virtual’ com ferramentas metodológicas inspiradas, por assim dizer, na etnografia: a netnografia.

Assim como a “original”, a netnografia traz também um sentido de imersão em um meio cultural, ou produtor de cultura. Entendendo que a internet é não só um meio de comunicação, mas também um espaço de convivência, produção de sentidos, que reúne grupos e comunidades por interesses comuns e, também, produz sentidos e valores no mundo, sendo, portanto,  produtor de cultura**. Apesar de, muitas vezes, tais pesquisas (em comunidades ou ambientes de comunicação virtuais) parecerem banais e serem muito criticadas, é importante ressaltar o quanto hoje, notadamente, as discussões e as produções deste meio dito ‘virtual’ interferem e produzem efeitos no que se insiste em chamar de ‘real’ (não que não exista diferença entre real e virtual, mas claramente as fronteiras produzem efeitos na vida “real” das pessoas, bem como a vida dos sujeitos ditos “reais” também é construída nestes meios virtuais, e suas relações sociais se dão nestes meios, muitas vezes com laços tão fortes quanto os chamados “reais”).

Voltando às questões metodológicas, é a partir dos estudos de Christine Hine (Etnografia Virtual) que as autoras apresentam as aproximações possíveis no estudo de comunidades virtuais, inicialmente, e depois em blogs. Montardo e Passerino, no entanto, ressaltam a necessidade, obviamente, de adaptações no uso das ferramentas metodológicas, não podendo-se tomar “ao pé da letra” a etnografia para pesquisas no mundo virtual.

Como “vantagens” em relação à etnografia, a netnografia (segundo Montardo e Passerino, p.9), teria: (a) facilidade de busca e coleta de dados; (b) amplitude da coleta e armazenamento (no tempo e no espaço); (c) desdobramento da pesquisa com rapidez. Como desvantagem, principalmente, seria o grande risco de excesso de informações, perda de foco na pesquisa e a dificuldade de cumprir as exigências éticas da pesquisa, o que discorro brevemente abaixo.

Ao longo do artigo, para quem se interessar, há mais apontamenos acerca do “como” se utiliza esta metodologia. O que me interessou neste artigo são as questões de ética, levantadas pelas autoras. Em especial, elas trazem as seguintes perguntas:

1) Foruns on line são públicos ou privados?

2) O que constitui o consentimento informado no ciberespaço?

Dentro da etnografia, o grupo estudado consente formalmente na realização da pesquisa e, além disso, pode decidir não mais participar do estudo (ou seja, não ser mais “objeto de estudo”) quando assim desejar. Em uma rede virtual, será isso possível? Entendendo que em alguns espaços é necessário realizar um cadastro para ter acesso às informações pessoais de integrantes (como Orkut, Facebook e outros deste tipo), talvez seja interessante se pensar nas implicações éticas de usar informações pessoais (incluindo comunidades que participam, discussões que fazem nestas, recados entre amigos, usos gerais deste espaço virtual...), uma vez que as informações não estão “soltas” na internet para todos verem. Afinal, é necessário cadastro, pedidos para interagir (ser amigo ou participação nas comunidades) e outros procedimentos mais ou menos restritos.

No caso dos blogs, a questão dos consentimentos informados, ao que me parece, tornam-se mais complexos. Sendo um blog sem restrições (que todos podem ler e comentar – mesmo que os comentários sejam moderados), os escritos estão publicados (isto é, foram tornados públicos). Fiquei perguntando-me (coisa que faço muito, sempre…): não pedimos autorização, por exemplo, quando realizamos uma pesquisa (com análise de discurso ou análise textual) de revistas e/ou jornal, enfim, de textos publicados. Qual o motivo de termos autorização (ou consentimento, termo mais apropriado talvez) para realizar sobre o blog? As autoras argumentam ainda em relação aos comentários, o que também penso ter o mesmo sentido: quando comentamos, nós publicamos para todos (os que quiserem) ler e, inclusive, comentar, retrucar, chutar, maltratar, elogiar…

No debate realizado em sala de aula***, também foi levantada a ideia de que os posts não são escritos com o intuito de serem usados academicamente (no sentido de objetos de pesquisa). Novamente, foi abordado que, talvez, realmente não tenham este objetivo, da mesma maneira que jornais e revistas impressas e eletrônicas, o objetivo (o meu, claro) é ser lido, que alguém leia, se interesse, comente. Mas os usos a serem feitos? Bem, estes são os riscos que corremos ao publicar (no sentido de tornar público) o que pensamos e falamos… Se este é um espaço de produção de significados e valores (hehehe, me achei agora… não sei se este blog, especificamente, é para tanto, rsrsrs), como qualquer outro espaço cultural, é fonte e objeto de pesquisa também, como de simples olhadelas curiosas, clicadas desinteressadas em buscas no google, cliques acidentais por aí, ou buscas (por que não?) interessadas também (afinal, não é de todo ruim, né???).

A outra questão que fiquei me interrogando acerca deste artigo, foi em relação à preocupação com a veracidade das informações pessoais (dos perfis dos bloggeiros, das postagens dos blogs, dentre outras coisas). Mas… Esta postagem já ficou gigantesca e, nesta altura do campeonato, poucos ainda devem estar lendo, então isto ficará para outro post, aguardem…

Só para constar, no fim, abaixo está a apresentação que fiz, correspondente a este texto, para o seminário.

* Para saber mais sobre etnografia, os autores Clifford Geertz (Ex. Estar lá, escrever aqui. Diálogos, São Paulo, v.22, n.3, 1989, p.58-63; Nova luz sobre a Antropologia, ed. Zahar) e Tereza Caldeira (A presença do autor e a pós-modernidade em antropologia. Novos Estudos, n. 21, Campinas: CEBRAP, 1988, p. 133-157) apresentam importantes discussões e um bom aporte teórico, inclusive para quem está iniciando os estudos no campo.

** Cultura entendido aqui não somente como “o melhor que foi e é produzido pela sociedade humana”, mas todas as práticas sociais e produções humanas, aquilo que tem ou produz sentidos/significados na sociedade. Para ler mais acerca desta noção de cultura, ler Nelson, C., Treichler, P. A. & Grossberg, L. Estudos Culturais em Educação: Uma introdução. In: Silva, T. T. da (org.) Alienígenas em sala de aula. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. p. 7-38.

***Este post foi feito em função do debate gerado na disciplina Caçadores de identidade: drops sobre tribos urbanas da atualidade, oferecida pela Profª.Drª. Elisabete Garbin, com participação das Profª.Drª. Clarice Traversini e Profª.Drª.Maria Luíza Xavier, no Programa de Pós-Graduação em Educação (FACED/UFRGS).